sexta-feira, 20 de abril de 2007

Era uma vez...


A coisa não se deu propriamente à primeira.
Não foi fulminante. Não me atingiu como um dardo, certeiro, ‘in the bull’s eye’.
Foi-se fazendo. O sentimento. De toda a maneira, não estava para aí virada [como se isso em ti fosse impedimento para alguma coisa, miúda].
A braços com um relacionamento que ia andando mas na realidade não ia a lado nenhum, não abri uma brecha sequer para o deixar entrar.
Mas esgueirou-se. Fez-se da espessura de uma folha de papel e esgueirou-se.
Quando dei por isso, já lá estava. Instalado. Pegou no auscultador do outro lado do vidro à prova de bala e sussurrou-me “e agora que fazes? Já aqui estou…”.
E estava.
Apesar de tudo.
Não conseguia tocar-lhe, senti-lo, por estar para lá do tal vidro, mas via-o claramente instalado.
Quando quis saber se era verdade, se seria possível, disseram-me que só eu ainda não tinha percebido, que de fora se via bem.
O que é que se faz quando se percebe que um amigo nos demonstra que ser amigo já não chega.
Foge-se.
Ou não.
Acho que não fiz nem uma nem outra.
Andei ali ao sabor do vento, a enganar-me, a enganá-lo também, por consequência.
E passaram-se anos.
Diria que nunca até então me tinha sentido tão amada. Mas talvez não seja correcto dizê-lo, porque na realidade o amor não chegou nunca a ser consumado.
Foi ardendo, ateado todos os dias por pequenos nadas.
Talvez seja mais verdadeira se disser que nunca me senti objecto de tanta dedicação. Sim, dedicação, é essa a palavra.
Dedicava-se-me.
Chegou uma altura em que se tornou difícil a convivência. Ardia na garganta, picava nos olhos, comichava na pele. Apetecia coçar até fazer ferida. Apetecia que passasse mas apetecia que continuasse.
Nunca quis verdadeiramente que parasse de gostar de mim.
Mas sabia quão injusto é usufruir do amor de alguém a quem não dedicamos amor de volta.
Talvez não tenha feito as melhores escolhas.
Fiz as que me pareceram acertadas no momento.
É melhor pensar que tinha mesmo de ser assim.
Dizer a alguém “gosto de ti” durante anos sem nunca ouvir realmente “gosto de ti” de volta custa. Deve custar.
Mas eu gostava. Gostei. Muito. Faltou-me o suficiente para mandar à fava os argumentos. Os quilómetros. A distância. As diferenças. Que afinal era possível compatibilizar.
A vida também vale pelas histórias que vivermos sem termos vivido. Pelos abraços. Pelos beijos. Pelas palavras. Pelos passeios. Pelos dias. Pelas noites. Não dados. Não recebidos. Não trocadas. Não feitos. Não gozados. Não dormidas.
Casa-se hoje.
Há dez anos, acho que passou pela cabeça dos dois que podíamos vir a casar no mesmo dia. Um com o outro.
Não foi. Já não arde. Já não pica. Já não comicha.
Sabe a doce. Sabe a lembrança. Hoje, sabe a bolo de noiva.

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